Brasil espera que cúpula da Amazônia possa unir o mundo para ação climática
O Brasil aposta que a tão aguardada cimeira climática do próximo mês na Amazónia poderá oferecer algo cada vez mais raro num mundo fraturado: a prova de que as nações ainda podem unir-se para enfrentar uma crise global.
Enfrenta desafios formidáveis, com a chegada improvável dos hostis Estados Unidos, a diminuição do apetite político pela acção climática e os preços exorbitantes das acomodações que ameaçam a participação.
Cerca de 50 mil participantes são esperados na conferência COP30, de duas semanas, que começa em 10 de novembro em Belém, uma cidade pobre do norte conhecida como porta de entrada para a floresta amazônica.
Na segunda-feira, ministros do clima e representantes de 67 países começaram a reunir-se em Brasília antes de uma maratona de negociações da ONU que reúne quase todos os países nas conversações climáticas mais importantes do ano.
A ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, sublinhou “a necessidade de evitar não apenas um ponto sem retorno para o clima do planeta, mas também o multilateralismo climático, que está cada vez mais em dúvida devido à fraca implementação de acordos anteriores”.
O secretário executivo da ONU para as Alterações Climáticas, Simon Stiell, apelou aos países para “irem um pouco mais longe” antes das conversações principais.
Belém é um cenário simbólico mas alarmante e uma escolha pessoal do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que quis destacar o papel da floresta tropical na absorção de dióxido de carbono.
Mas à medida que o mundo se aproxima da meta de aquecimento de 1,5 graus acordada no âmbito do acordo climático de Paris há uma década, aumenta a pressão para que a COP30 forneça mais do que apenas um cenário bonito.
Os últimos dois anos foram os mais quentes alguma vez registados e os principais poluidores não estão a reduzir as emissões com a rapidez suficiente para evitar mudanças devastadoras e potencialmente irreversíveis no planeta.
Lula tem sido criticado pelo que os críticos descrevem como uma postura contraditória em relação ao meio ambiente.
Ele desacelerou o desmatamento da Amazônia e está incentivando os países a intensificar e reduzir as emissões, ao mesmo tempo que apoia com entusiasmo novos projetos dentro do país para a exploração de petróleo, sem o qual, segundo ele, o mundo não está pronto para viver.
Convidou dezenas de líderes para Belém, mas o comparecimento permanece incerto devido a reclamações sobre custos astronômicos de acomodação. Escolas, navios de cruzeiro e até motéis que alugam por hora foram recrutados para oferecer opções mais baratas.
Espera-se que o príncipe William represente o rei Carlos de Inglaterra e os líderes da África do Sul e da Colômbia, mas o presidente austríaco já rejeitou a oferta, alegando os elevados preços dos hotéis.
Autoridades da Gâmbia, Cabo Verde e Japão também disseram à AFP que esperam reduzir o tamanho das suas delegações.
Rejeitando apelos para adiar a reunião e prometendo dormir “num barco, numa rede”, Lula disse: “Conheço os problemas de Belém”.
“Aceitamos o desafio de organizar a COP aqui porque temos que mostrar ao mundo o que é a Amazônia”.
Lula, que visitou o Vaticano na segunda-feira, disse que convidou o Papa Leão XIV para Belém, mas que o papa não pôde vir porque tinha “outros compromissos”.
O presidente dos EUA, Donald Trump, que declarou a mudança climática uma “farsa” no mês passado, e ninguém mais de seu governo deverá comparecer.
Os Estados Unidos planeiam retirar-se do Acordo de Paris pela segunda vez devido à promoção dos combustíveis fósseis no país e no estrangeiro.
O Brasil está determinado a que a COP30 mostre que a solidariedade climática global está viva, mesmo quando guerras, tarifas e políticas populistas abalam a ordem internacional.
A CEO da COP30, Ana Toni, disse à AFP numa entrevista em setembro que era um momento “extremamente difícil” para tomar medidas em relação às alterações climáticas.
“As COP não estão isoladas. Refletem tensões geopolíticas”, disse ele.
Marta Torres-Gunfaus, do think tank de desenvolvimento sustentável IDDRI, disse à AFP que as florestas seriam um foco em Belém, mas que “não deveríamos esperar manchetes ou acordos sobre questões grandes e chamativas” na COP30.
Um confronto sobre a hesitação da acção climática parece inevitável, com a Índia e a União Europeia com meses de atraso na entrega das últimas metas de redução de emissões para 2035 entre dezenas de países e blocos.
Muitos compromissos, incluindo os da China, o maior poluidor, ficaram aquém das expectativas.
Alguns dos países mais pobres do mundo querem reabrir um doloroso debate sobre o nível de financiamento que recebem dos países ricos mais responsáveis pela crise climática.
Quando questionado sobre a disponibilidade de financiamento dos países ricos para os países pobres no Brasil, o presidente da COP30, André Correa do Lago, disse que “há muitas demandas, mas muito menos promessas”.
“Há uma profunda desconfiança entre os países ricos e os pobres”, disse Victor Menotti, porta-voz da ONG Demanda por Justiça Climática.